REVISÃO (Língua Portuguesa, Literatura e Redação)

Cristóvão Tezza e Bakhthin

Cristóvão Tezza e Bakhthin

A CONSTRUÇÃO DAS VOZES NO ROMANCE

Cristovão Tezza

Texto apresentado no Colóquio Internacional "Dialogismo: Cem Anos de Bakhtin"; novembro de 1995; Departamento de Lingüística da FFLCH/USP. Publicado em Bakhtin, dialogismo e construção do sentido; Editora da Unicamp, 2001; organização de Beth Brait.

Antes de mais nada, quero agradecer o convite para participar deste Colóquio sobre Bakhtin, nessa mesa redonda sobre as vozes no romance. É um prazer rever amigos em São Paulo, e prazer redobrado conciliar a visita com conferências sobre Bakhtin, autor que tem sido minha paixão teórica. E o convite da amiga Beth Brait ainda abria uma brecha, talvez arriscadamente, para que eu fale não só como integrante do núcleo bakhtiniano da UFPR, liderado pelo professor Carlos Alberto Faraco, que nos anos 80 introduzia Bakhtin no Paraná, mas que também fale como romancista, de quem, talvez - agora digo eu, mais seguro - se exigirão rigores de outra ordem, de natureza, digamos, não tão científica.

Essa voz que fala - o romancista - talvez seja um bom ponto de partida para essa breve resenha sobre as vozes do romance. Não nos interessa aqui o 'autor biográfico', mas uma espécie de 'voz que escreve'. Para não confundi-la com as instâncias narrativas de raiz estrutural, com as quais Bakhtin (e, provavelmente, a realidade romanesca viva), tem a rigor pouco parentesco, vamos relembrar uma das primeiras obras de Bakhtin, uma obra inacabada dos anos 20, cuja edição póstuma, ao mesmo tempo em que tira algumas dúvidas sobre os conceitos básicos de Bakhtin, cria outras exigências teóricas na medida em que aprofunda questões de natureza estritamente filosófica, ainda à espera de uma exegese mais aprofundada. Refiro-me a O autor e o herói, um longo ensaio, aqui no Brasil incluído no volume Estética da criação verbal, da Editora Martins Fontes.

Desde já delimitamos nossa pequena ambição nessa palestra: trata-se apenas de extrair dessa obra complexa alguns pontos básicos sobre a estética romanesca que Bakhtin desenvolverá amplamente em obras posteriores. Em O autor e o herói Bakhtin centraliza a discussão em um tema por si, um tanto problemático, pelo menos para uma certa tradição formalista: a relação entre o autor e o seu personagem - e o fato de esta obra também estar profundamente perpassada pelo desejo de estabelecer os fundamentos de uma estética (e de resto praticamente toda a obra de Bakhtin tem como referência necessária a questão dos princípios filosóficos, do ponto de partida epistemológico) revela como repugnava a Bakhtin a compartimentação mecânica do conhecimento. Não simplesmente por uma questão de método; mas porque, para ele, nenhuma significação é isolável. Em outras palavras: o autor é parte integrante do objeto estético. Mais heresia ainda: o espectador também o é.

Até aqui, sob certo ângulo, se tomamos as palavras em seu sentido corrente, nada de novo: parece que temos três instâncias isoláveis, o autor, a obra, o leitor, e inúmeras correntes e contra-correntes teóricas desde o século passado enfatizaram (ou têm enfatizado) um ou outro aspecto. Mas atenção: para Bakhtin, o autor-criador é componente da obra; ele não é simplesmente Fulano de Tal, que escreveu tal livro. E não é, também, uma instância narrativa abstrata, o narrador, não é apenas uma instância gramatical do texto.

Para Bakhtin, o autor-criador é a consciência de uma consciência, uma consciência que engloba e acaba a consciência do herói e do seu mundo; o autor-criador sabe mais do que o seu herói. Temos aí um excedente de saber, e um primeiro pressuposto da visão de mundo bakhtiniana, um princípio básico: a exotopia, que podemos simplificar definindo-a como o fato de que só um outro pode nos dar acabamento, assim como só nós podemos dar acabamento a um outro. Cada um de nós, daqui onde estamos, temos sempre apenas um horizonte; estamos na fronteira do mundo que vivemos - e só o outro pode nos dar um ambiente, completar o que desgraçadamente falta ao nosso próprio olhar.

Ora, isso não é simplesmente uma classificação gramatical do autor e do seu personagem: o princípio da exotopia, é, em última instância, uma visão de mundo que tem conseqüências teóricas inescapáveis. Ele pode ser entendido, de fato, como o princípio dialógico bakhtiniano, que, a partir do conceito de signo e de significação - o conceito de linguagem substancialmente revolucionário de Bakhtin, fora do qual todos os seus outros conceitos parece que se reduzem a uma lista de novas definições estruturais - a partir daí abrange toda a atividade da cultura humana, ou, para usar uma expressão que lhe era cara, o 'acontecimento aberto da vida'.

A ambição filosófica de Bakhtin, de natureza totalizante e sistemática, transparece explicitamente nesses seus textos de juventude, os inéditos dos anos 20. É verdade que, até onde sabemos, ele não os desenvolveu completamente; mas também é verdade que, sob o ponto de partida desses textos filosóficos, toda a sua produção subseqüente se ilumina. E o que parece uma colcha de retalhos de interesses díspares - Rabelais, Freud, Signo, Romance - vai se revelar, cada vez mais, um mosaico de surpreendente unidade e coesão teórica.

Pelo princípio da exotopia, eu só posso me imaginar, por inteiro, sob o olhar do outro; pelo princípio dialógico, que, em certo sentido, decorre da exotopia, a minha palavra está inexoravelmente contaminada do olhar de fora, do outro que lhe dá sentido e acabamento. Em suma, no universo bakhtiniano nenhuma voz, jamais, fala sozinha. E não fala sozinha não porque estamos, vamos dizer, mecanicamente influenciados pelos outros - eles lá, nós aqui, instâncias isoladas e isoláveis - mas porque a natureza da linguagem é inelutavelmente dupla. O que, em princípio, parece apenas uma classificação teórica aplicável à literatura ou à lingüística, um instrumento neutro, na verdade é uma visão de mundo: a natureza dupla da linguagem tem conseqüências filosóficas que se desdobram até mesmo, acho que não será exagero dizer, até mesmo à fundação de uma ética. Em O autor e o herói, aliás, transparece como Bakhtin extrapola as definições do campo estrito da estética para o universo da ética: isto é, o fato de que apenas um outro pode me dar acabamento, o fato de que eu sou organicamente incapaz de me ver por inteiro com certeza exige, também, uma resposta no universo da ética.

Voltemos à questão da voz romanesca. Para Bakhtin, um único e mesmo participante não pode ocasionar o acontecimento estético, que pressupõe por natureza duas consciências que não coincidem. Aqui é interessante observar como Bakhtin, de fato, funda uma estilística de substância não formal. Isto é, a tipologia do herói, ou, mais amplamente, a natureza da linguagem literária (tema que Bakhtin desenvolverá de forma multifacetada em suas obras posteriores) não decorre de uma classificação neutra de estruturas, ou de definições intrínsecas de formas lingüísticas, mas substancialmente de uma relação viva entre uma consciência e outra (lembrando, mais uma vez, que para ele cada uma dessas consciências nunca é organicamente única). Na linguagem estética, autor e personagem são duas consciências que não coincidem, mas essa não-coincidência não é nunca fixa ou estável; na verdade, da gradação sutil, da aproximação ou do afastamento que ocorre entre o autor-criador e seu herói, da relação viva e em grande parte irregular entre uma consciência e outra é que vão se criar os tipos de personagens e mesmo os estilos da linguagem. Talvez seja bizarro dizer desta forma, mas para Bakhtin o estilo não é uma forma, no sentido corrente da palavra forma, mas um comentário, no qual sempre estão presentes, no mínimo, dois sujeitos, em geral assimetricamente dispostos na guerra dos processos da significação.

Para Bakhtin, há uma limitação intransponível no meu olhar que só o outro pode preencher. Dessa altamente complexa rede tangencial dos pontos de vista - físicos e mentais - da vida humana, emerge o universo das vozes romanescas de Bakhtin, vozes, aliás, do ponto de vista interno, perpetuamente inacabadas, como inacabada é a vida nossa de todo dia, aqui e agora. Nas palavras de Bakhtin, "a vivência que o herói tem de seu corpo - corpo interior a partir dele mesmo - envolve-se em seu corpo exterior para o outro, para o autor, encontra sua consistência estética através da reação de valor deste" (p.78). Por essa razão, Bakhtin dirá (p.105) que "a forma [estética] é fundamentada no interior do outro - do autor, isto é, a partir de uma reação geradora de valores que são, por princípio, transcendentes ao herói e à sua vida, mas todavia ligados a ele".

E há ainda uma outra face da exotopia no processo de significação estética: a entidade que Bakhtin chamará de autor-contemplador, que também é componente da obra estética. Aqui podemos comparativamente lembrar o texto Discurso na vida e discurso na arte, assinado por Voloshinov e publicado em 1926, onde aparece a categoria do "ouvinte", que, nas palavras dele, "exerce influência crucial em todos os outros fatores da obra". O autor-contemplador de que falamos é, de fato, um componente externo da obra, é, em última instância, o leitor; já o ouvinte é interno, e diz respeito ao dialogismo implícito de todo enunciado. De qualquer modo, é visível o parentesco temático dos dois conceitos.

Também o autor-contemplador necessita de distância - é a sua exotopia que, ao fim e ao cabo, atualiza o objeto estético. Em páginas instigantes Bakhtin desenvolve o esboço de uma classificação do espectador como entidade estética, tomando como referência o teatro - talvez porque, no teatro, seja didaticamente mais visível ainda o fato de que é o olhar do espectador que cria o objeto, lhe dá uma unidade e um acabamento que nenhum de seus atores, vivendo a peça, isoladamente, é capaz de ter. E há algumas exigências para que o autor-contemplador adquira o estatuto de componente da obra estética. Por exemplo, a contemplação, ou a leitura, não pode se confundir com o devaneio, em que eu mesmo me torno o herói - nesse caso, o ato estético se transforma, por exemplo, em ato ético (quando numa peça infantil a criança grita avisando o mocinho que o vilão se aproxima...).

Mas a exotopia não é apenas um conceito espacial, a instância do olhar - é também, aliás inseparavelmente, um conceito temporal. O autor-criador está à frente, espacialmente de fora e temporalmente mais tarde do que o herói - do mesmo modo que o autor-contemplador, esse de modo mais radical ainda. É o excedente de visão, no tempo e no espaço, que dá sentido estético à consciência do outro, dá-lhe forma e acabamento, uma forma e um acabamento que jamais podemos ter por conta própria, na estrita solidão de nossa voz. Quando Brás Cubas escreve suas memórias, ele é um outro; ele é o olhar exotópico que dá acabamento estético ao Brás Cubas herói - é o excedente de visão, no tempo e no espaço, que dá sentido às suas memórias. Na obra-prima de Machado, a voz do autor-criador se consubstancia na voz do Brás Cubas morto, garante o olhar de fora, a âncora exotópica impregnada de valor, que dá sentido e consistência estética ao caótico e errático Brás Cubas vivo. Nas palavras de Bakhtin, que curiosamente parece falar de nosso Machado, "depois do enterro, depois da lápide funerária, vem a memória. Possuo toda a vida do outro fora de mim e é aí que começa o processo estético significante em cujo fim o outro se encontrará fixado e acabado numa imagem estética significante" (p.121).

Temos assim, nesta obra da juventude de Bakhtin, aqui grosseiramente resumidos, os conceitos básicos de sua visão estética, que em última instância são uma visão de mundo e uma concepção revolucionária de linguagem. As vozes do romance, em Bakhtin, estão, desde o primeiro momento, contidas na relação dialógica das consciências, ou ainda, primordialmente, na "consciência de uma consciência", como Bakhtin define o autor-criador. É desse ponto de partida sempre duplo - o signo sempre duplamente orientado de sua teoria da linguagem - que Bakhtin erguerá sua catedral teórica, os conceitos de monologia e polifonia e sua teoria do romance.

E são vozes necessariamente enraizadas na História. Aliás, podemos dizer que são vozes conquistadas num longuíssimo processo histórico de descentralização da linguagem, a lenta passagem de um mundo de valores centralizados e acabados, cuja expressão máxima estaria na epopéia clássica, para um mundo descentralizado de linguagens, o universo perpetuamente inacabado, a urgência do aqui e do agora. É assim que, em um dos seus textos sobre a gênese do romance (Questões de literatura e de estética, p.414), Bakhtin lembrará os diálogos socráticos como uma das formas embrionárias do gênero romanesco, não só pela presença central do diálogo, a voz viva do homem que fala, do coloquial imediato (tanto quanto permitiam as formas convencionais do grego clássico), mas principalmente porque neles está implícita a visão de um mundo inacabado, presente, em processo - "o ponto de partida é a atualidade, as pessoas da época e as suas opiniões".
                Isso nos leva a outra característica da criação da voz romanesca - característica que pode ser uma resposta aos que condenam no romance justamente o seu traço "prosaico", aos que exigem dele o que ele não pode ser, sob pena de retornar ao mundo da linguagem poética em seu sentido estrito (tal como Bakhtin a entendia). É o fato de que a consciência de uma consciência, o autor-criador de que nos fala Bakhtin, a relação básica autor-herói que cria as vozes do romance, não pode destruir completamente a voz representada, a voz do herói. O outro conservará sempre, na linguagem romanesca, o seu grau de autonomia, que pode ser imenso, como nos concertos polifônicos de Dostoiévski, ou mínimo, como nas sátiras mais demolidoras - mas em qualquer caso a voz do outro, refratada pelo olhar do autor-criador, será reconhecível, estará presente, respirará em cada linha do texto. Se a autonomia do outro desaparece, desaparece, com ela, a linguagem romanesca.

Talvez esteja oculta nessa característica essencial da linguagem romanesca, que, antes de ser uma forma acabada e definível por sua estrutura formal, é um modo e uma intensidade de relação entre linguagens e visões-de-mundo, entre o autor e o seu herói, talvez esteja aí a semente de uma ética possível, de uma ética romanesca que resulte não da linguagem da ciência, em que o outro é um objeto, mas da linguagem romanesca, em que o outro, da mesma forma que eu, é também um sujeito, está vivo, e respira; falar do outro é, necessariamente, dar a voz ao outro; e, mais que isso, a minha forma está inextricavelmente ligada ao outro, e só pode ser completamente definida por ele, num caminho de mão dupla. Sob essa perspectiva, o romance, iluminado por Bakhtin com uma força e uma clareza que, definitivamente, nenhuma outra corrente teórica desse século teve, ganha um estatuto e uma dimensão que reduz a nada o lugar comum que, por várias décadas e sob vários nomes, têm cantado e decantado a morte do romance, ou do niilismo alegre dos que dizem que a única voz literária possível neste fim de século é a do pasticho. A valorização do romance, em Bakhtin, repetimos, não decorre da definição de uma forma acabada, como o soneto ou a écloga, mas da compreensão de uma linguagem romanesca em permanente troca com a linguagem viva e inacabada da vida cotidiana, no veio de um prolongado processo de descentralização da palavra.

Para encerrar - e, é preciso cuidado, talvez fale aqui mais o romancista, em causa própria... - vejamos como o próprio Bakhtin pode nos dar a chave de uma ética fundada generosamente na linguagem romanesca, ao descrever o processo exotópico da minha relação com o outro, da consciência que eu tenho do outro:

"O excedente da minha visão contém em germe a forma acabada do outro, cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar a originalidade. Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento" (p.45).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
______________. Freudism. New York: Academic Press, 1976.
______________. Questões de literatura e de estética. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1988.

https://www.cristovaotezza.com.br/textos/palestras/p_vozesromance.htm

 


CADERNO DE NOTAS (9)

Em ensaio sobre Bakhtin, Cristovão Tezza trata temas complexos com clareza e elegância notáveis

José Castello

É uma surpresa, uma grande e estimulante surpresa, a leitura de Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo, ensaio literário do escritor catarinense, radicado em Curitiba, Cristovão Tezza, que chega às livrarias agora em julho. Os motivos são variados. Primeiro, não é sempre que, ao trocar a ficção pelo ensaio, um escritor consegue conservar o padrão de qualidade que nele reconhecemos. Não é simples exercer essa "dupla identidade", mas Tezza nos surpreende com uma linguagem sofisticada, didática e, sobretudo, ousada. Depois, não é costume (e é bom lembrar que o ensaio de Tezza é uma adaptação de tese de doutorado apresentada por ele à Universidade de São Paulo) que, diante de um tema tão distante e específico, no caso a obra do crítico literário russo Mikhail M. Bakhtin (1895-1975), um ensaísta consiga, sem perder um centímetro de rigor e lucidez, usar a incursão ao passado para, através dela, penetrar, de forma contundente, no debate literário contemporâneo. Enfim, atualizar e demonstrar o vigor interminável da obra de Bakhtin, um pensador de resto esquecido ou, no máximo, mal compreendido. Por fim, é obrigatório registrar o notável senso didático de Cristovão Tezza, que trata de temas complexos e cerrados com uma clareza e elegância notáveis. Enfim, se já tínhamos o Tezza grande ficcionista, agora temos também, duplamente, o Tezza ensaísta brilhante, de quem esperar - e cobrar - novas e provocativas incursões pelo cenário, em geral árido e repleto de obstáculos, da teoria literária.

Na verdade, e embora nos ofereça uma visão panorâmica, e até acadêmica, do pensamento particular de Bakhtin e de seu círculo de intelectuais, Cristovão Tezza vem usar a obra do pensador russo, corajosamente, com uma audácia incomum nos meios literários brasileiros, em geral marcado pelas regras do compadrio e também de certa teologia literária, para perfurar, e mesmo dinamitar, as leituras contemporâneas da poesia. Seu ensaio serve, em particular, àqueles que, como eu, não são especialistas na obra de Mikhail Bakhtin e que, portanto, não irão lê-lo em busca de interpretações rigorosas e até sagradas, mas sim para tomá-lo como fonte de inspiração e instrumento para diagnosticar e repensar o presente. É essa atualidade embutida em Bakhtin, é o modo como ele se oferece ao leitor contemporâneo, o que mais estimula na leitura de Entre a prosa e a poesia. Desse modo, o ensaio de Tezza se oferece como excelente combustível para reflexões livres, e até "irresponsáveis" - como a que venho aqui rascunhar. Irresponsável no sentido em que não é movida por nenhum rigor de escola e, mesmo, pelo respeito a alguma tradição; mas, ao contrário, vem fazer uso das teses de Bakhtin para, a partir delas, repensar as idéias prontas, e até congeladas, que norteiam, em geral, o mundo literário.

Até porque a obra de Mikhail Bakhtin, cuja autenticidade ainda hoje está, em parte, em debate, é dispersa e desprovida de um centro, servindo como chave para abrir muitas portas, que levam a caminhos diversos. Ela vem, como um soco violento, de encontro às tendências formalistas que, ainda hoje, predominam na análise literária, configurando uma espécie de "religião do texto puro", com seus cardeais, príncipes discípulos e textos sagrados. Um dos eixos de suas teses é a distinção entre a "centralização autoritária" que define a poesia e a "descentralização democrática" que, a seu ver, caracteriza a prosa. Essa natureza centralizadora da poesia terminou por isolar e encampar os aspectos formalistas que nela predominam desde a metade do século 20.

Bakhtin, ao contrário, via a vida concreta como inseparável da literatura, homem e mundo ligados a um compromisso indissociável, elo que, numa tradição de formas puras e abstratas, parece antiga, quando é decisiva. Sem o outro, não há a palavra, dizia Bakhtin e, portanto, ela só é plena se considerarmos sua dimensão social e cultural; até porque nenhuma palavra existe sem o ouvinte, ou leitor, que a vem sorver. Por isso, por se tratar de um gênero polifônico no qual vozes de procedências distintas se entrelaçam e medem forças, o formalismo (desde os formalistas russos) foi sempre incapaz de dar conta do romance. A prosa lida exatamente com a linguagem comum, quer dizer, a linguagem prosaica. E esse discurso prosaico se ergue sobre falas antagônicas, sem a monotonia e fechamento que definem o discurso poético. Enquanto para a poesia o mundo está pronto, à espera da letra no coração do poeta, o romance trata de um mundo inacabado - e que nunca ficará pronto. Por esse caminho, Bakhtin chegou às limitações da poesia, e não a sua superioridade - dela que, em geral, é tida como um gênero puro, como "o gênero dos gêneros". Enquanto o romance seria o lugar "do homem inacabado", sujeito, na verdade, que caracteriza a vida contemporânea.

O mais interessante no livro de Tezza é que, não se limitando a reconstituir as idéias de Bakhtin, ele trata de confrontá-las, e mesmo testá-las, em contraste com o senso comum que norteia as teorias contemporâneas. Senso comum que se origina, ele nos alerta, no pensamento dos próprios poetas. Tezza lembra que "a obra de Bakhtin e de seu círculo desapareceu do horizonte já no início da década de 30, e o seu reaparecimento fragmentário nos anos 70 não vai influenciar significativamente o pensamento literário dominante". Enfim, é um pensamento que ficou recalcado, e assim foi justamente porque toca no coração dos impasses vividos pela poesia ao longo do século 20.

Como definir a poesia? Borges tentou assim: "Poesia é a expressão do belo por meio de palavras habilmente entretecidas". Eliot disse que "o poema se apresenta como um círculo ou uma esfera: algo que se fecha sobre si mesmo, universo auto-suficiente". A poesia é vista então como depositária da "linguagem original", ou arcaica, não contaminada pelas circunstâncias do mundo real, Tezza aponta. E continua a vasculhar as idéias que os poetas têm a seu próprio respeito. Brodsky a definiu como a "forma mais elevada de linguagem", enfatizando assim seus aspectos sagrados. Octavio Paz veio afirmar que "o poema transcende a linguagem. O poema é a linguagem, mas é também mais alguma coisa". Paul Valéry a viu como a busca da "voz absoluta". Por contraste, observa Tezza, "vê-se a prosa, ou a vida da linguagem falada, como degradação da linguagem".

Poucos escritores, como o polonês radicado na Argentina, Witold Gombrowicz, conseguiram dizer: "Confesso que os versos me desagradam e até me aborrecem um bocado". E por isso parecia um herético. Sobre a suposta pureza da poesia, prossegue Gombrowicz: "Por que razão não gosto eu da poesia pura? Pelas mesmíssimas razões que me levam a não gostar do açúcar puro. O açúcar é coisa deliciosa quando se o toma no café, mas ninguém se poria a comer uma pratada de açúcar - seria demais". É novamente Tezza que, lúcido, vai concluir: "Eis aí a teologia moderna temida por Cioran: a poesia como um valor sagrado, anti-racional, mas substancialmente laico".

É a noção de utilidade, ou inutilidade (pense-se em Manoel de Barros, em Fabrício Carpinejar...) que rege hoje a poesia. Bem antes deles, Jean-Paul Sartre já dizia que o poeta é aquele que se recusa a utilizar a linguagem, Tezza prossegue em sua investigação. "O poeta está fora da linguagem e vê as palavras do avesso, como se não pertencesse à condição humana", escreveu Sartre ainda. Então, diz Tezza, muitos vêem "o poeta como um mágico pairando acima do mundo concreto, fora da linguagem, capaz de chegar à coisa em si, que é a realização poética". Tais afirmações, prossegue ele mais à frente, "pressupõem o mundo autônomo das palavras, o mistério indizível, as ressonâncias obscuras, o incompreensível".

Ao contrário, os formalistas russos foram os primeiros a tentar entender a poesia como um fenômeno de linguagem a ser estudado friamente. Os formalistas buscavam uma "ciência literária". O problema é que, ainda hoje, muitos teóricos da literatura acreditam nessa balela - quando Bakhtin, um século atrás, já apontava para sua superação. Não o retorno a uma visão mítica e ingênua, mas o avanço para além dos dois tipos de erro, o formalista e o "conteudista". Os formalistas vão se esforçar, por exemplo, para "livrar a teoria literária de tudo o que não seja literário", como se tal operação fosse realmente possível. Eles viam a poesia como uma máquina e propuseram uma crítica como um retorno ao "saber do artesão". Mesmo renegando a metafísica, continuaram aferrados a um ideal inexistente. Os formalistas vão buscar a "literaturidade", isto é, aquilo que é específico da literatura. Com isso, se submetem a leis internas regulares e exclusivas, que viessem garantir a completa separação entre a poesia e o real. O formalismo vai construir o ódio ao senso comum, ao bom senso, ao prosaico, através da distinção entre a "linguagem formal", superior, e a "linguagem prosaica", que lhe seria inferior. Visto assim, o crítico literário se torna um contra-senso, quer dizer, um "cientista da literatura". E a teoria literária, uma "ciência da literatura", solene e cheia de dedos diante de seu objeto. De um extremo, o da literatura vista como ideologia e conteúdo, os formalistas saltaram para o outro, o da literatura como forma solta e vazia.

Bakhtin, ao contrário, vai insistir que, na análise literária, o Eu não pode ser excluído, porque está sempre presente. Além disso, ele acrescenta, a linguagem deve ser investigada em todas as suas funções, e não só na poética. Para Bakhtin, os teóricos do formalismo russo não sabiam o que fazer com a prosa - e essa mistura de constrangimento e desinteresse, de certo modo, é dominante ainda hoje, podemos acrescentar. Ele sugere que, diante de um romance, em vez de o teórico se ater à visão técnica, ele deve expandi-la, desprender-se dela, para chegar a uma visão de mundo. Além disso, o leitor não pode se excluir do texto. "Compreender um objeto é compreender o meu dever em relação a ele", disse. Quer dizer, é compreender a atitude ou posição que devo tomar diante dele. O crítico, em vez de se abstrair, de se ver como um leitor "neutro", deve se encarar como alguém que tem uma participação responsável no texto que lê. O que Bakhtin tentou, em resumo, foi superar o divórcio entre uma análise abstrata, ou formal, e outra ideológica, que é igualmente abstrata. Só na conexão entre as duas é possível superar a abstração e cair no real. Bem, não era por outra motivo, Tezza explica, que Bakhtin tinha "horror à abstração teórica, à redução esquemática, à instrumentalização das categorias". A palavra só pode dizer algo se estiver "em relação" com o mundo. Senão, será apenas forma vazia.

Para Bakhtin, em resumo, a arte é parte da vida, e não um objeto autônomo, regido por leis internas e próprias. O importante, então, é o contexto no qual o ato de criação se torna significante. Em resumo: Bakhtin, relido por Tezza, abre uma porta para que possamos reconectar a literatura à existência concreta e prosaica. Mas isso se faz por um avanço, a novas e mais complexas formas de conexão entre elas, e não por um recuo às velhas (e esquemáticas, lamentáveis) análises sociológicas dos esquerdistas clássicos. Esse Bakhtin que Tezza reencontra nos abre uma perspectiva para reverter, revirar e reordenar as leituras hoje dominantes a respeito da criação literária. E para reaproximar a arte e a vida, de modo que a literatura, em vez de letra morta, ou de assunto para especialistas, volte a ser um instrumento vivo e desafiador a remexer e ampliar nossas vidas reais. Não é por acaso, Cristovão Tezza nos recorda, que "os dois maiores poetas da língua portuguesa do século 20, Drummond e Pessoa, são dois poetas prosaicos". Nem é preciso lembrar o forte prosaísmo do modernismo brasileiro. O que está em crise, hoje, diz Tezza, é "a autoridade poética". Nem a esterilidade da abstração formal, nem só a vida concreta e caótica. "O segredo estará em não perder de vista nenhuma das pontas dessa passagem", ele conclui.

JOSÉ CASTELLO é escritor e jornalista. Autor de Fantasma, entre outros.

 

LIÇÃO DE MÉTODO

Bakhtin e a poesia

José Luiz Fiorin

Entre a prosa e a poesia, do romancista e ensaísta Cristovão Tezza, desvela as sutilezas da obra do lingüista russo e clarifica os conceitos de monologismo e dialogismo, mostrando que em Bakhtin o conceito de poesia está no horizonte de sua definição do discurso romanesco

Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) é um dos mais influentes teóricos da linguagem do século XX. Diferentemente de outros, no entanto, ele não mudou paradigmas apenas da Lingüística ou somente da Teoria da Literatura, mas alterou radicalmente a forma de ver o fenômeno da linguagem em sua completude e em sua concretude. Ele não é um lingüista no sentido especializado que se dá hoje a essa palavra nem um teórico da literatura no sentido estrito que se atribui atualmente a esse termo. Bakhtin é antes um filósofo da linguagem, ou melhor, um filósofo, em cujo projeto intelectual a linguagem tem uma dimensão importante.

Bakhtin vinha produzindo suas obras desde os anos 20 do século passado. No entanto, só se tornou conhecido no Ocidente a partir dos anos 60. A tradução de seus livros não obedeceu à cronologia de sua produção, o que levou a determinadas reduções de seu pensamento. Apesar disso, desde que foi conhecido, produziu um deslumbramento nos estudiosos da linguagem. Talvez esse encantamento e o desconhecimento da obra integral do autor tenham levado à utilização avulsa de certos conceitos, que ganharam um sentido muito diferente do que tinham em sua obra. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os conceitos de polifonia, carnavalização e dialogismo.

O princípio unificador da obra de Mikhail Bakhtin é a concepção dialógica da linguagem. O teórico russo enuncia esse princípio e, em sua obra, examina-o em seus diversos ângulos e estuda detidamente suas diferentes manifestações. Se fôssemos um pouco mais longe no alcance da obra de Bakhtin, diríamos que esse princípio é constitutivo de uma antropologia filosófica e que a linguagem é um dos lugares de sua realização.
Segundo Bakhtin, a língua, em sua "totalidade concreta, viva", em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face. Ao contrário, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que qualquer pessoa, ao falar, leva em conta a fala de outrem, que está presente na sua. O dialogismo não pode ser pensado em termos de relações lógicas ou semânticas, pois o que dialoga no discurso são posições de sujeitos sociais, são pontos de vista acerca da realidade, são centros de valor. Bakhtin, ao explicitar que o fundamento da discursividade, o modo de funcionamento da linguagem, é o dialogismo, mostra que ele tem um caráter constitutivo em toda produção lingüística. Esse dialogismo revela-se na bivocalidade, na polifonia, no discurso direto, indireto e indireto livre, etc.

Na obra bakhtiniana, há uma questão que tem intrigado todos os estudiosos: o conceito de poesia. Bakhtin vai opor a poesia ao romance, mostrando que aquela tem como característica básica a centralização, enquanto este se distingue pela descentralização. O romance é plurilíngüe, enquanto a poesia requer "uma uniformidade de todos os discursos, sua redução a um denominador comum". Enquanto o discurso romanesco acolhe as diferentes falas e as diferentes linguagens, constrói-se na diversidade de vozes, na diversidade de discursos, na diversidade de maneiras de dizer, o discurso poético é privado de qualquer interação com o discurso alheio, de qualquer olhar para o discurso do outro. Diz o autor russo que o romance é expressão de uma concepção galileana da linguagem, enquanto a poesia exprime uma compreensão ptolomaica da linguagem. Essa concepção bakhtiniana foi traduzida da seguinte maneira: o romance é dialógico e a poesia, monológica. Como os anseios de nosso tempo nos levam a buscar as liberdades individuais, a contestar os cânones e as identidades, a relativizar as verdades, um valor "abateu-se" sobre os conceitos de dialogismo e monologismo. Aquele é moderno, abrangente, democrático, enquanto este é tradicional, restrito, autoritário. Se o romance é dialógico, ele carrega todos os traços de positividade, enquanto a poesia, sendo monológica, é vista como algo negativo. Pensada dessa maneira, a concepção bakhtiniana de poesia incomodava bastante os estudiosos da literatura.

O senso comum acadêmico resolveu a questão dizendo que Bakhtin era um importante teórico do romance, mas que, como não tinha dedicado à poesia nenhum estudo maior, não tinha analisado esse "gênero" adequadamente. E não o fez, porque não tinha especial apreço pela poesia, não a tinha em alta conta, tomava-a por um gênero menor. Ademais, sua concepção de linguagem é incapaz de tratar da poesia, pois só responde satisfatoriamente a questões da prosa romanesca, não sendo apta a perceber as especificidades da poeticidade.
A obra de Cristóvão Tezza, um dos mais importantes romancistas brasileiros contemporâneos, propõe enfrentar a complexa questão da concepção de poesia em Bakhtin, afrontando a opinião, exposta acima, do senso comum acadêmico e mostrando seu equívoco.

A obra Entre a prosa e a poesia divide-se em quatro partes. Na primeira, denominada Mikhail Bakhtin: a difícil unidade, o autor expõe uma série de conceitos e elucida um conjunto de questões para que se possa compreender adequadamente a filosofia bakhtiniana da linguagem. Na segunda, intitulada A poesia segundo os poetas, examinam-se as imagens que os poetas fazem da poesia. Irrompem à cena Octavio Paz, Eliot, Brodsky, Valéry, Pound, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros. A imagem da poesia vai sendo construída, com os traços do ritmo, da antigüidade, da superioridade, da condensação, da auto-suficiência, da não utilidade, da negação da prosa. Na terceira parte, chamada O formalismo russo, analisam-se minuciosamente as teses dos formalistas russos com quem Bakhtin, numa demonstração do acerto de sua concepção dialógica da linguagem, dialoga na elaboração de seus conceitos de romance e poesia. Sem entender esse diálogo não se pode compreender a concepção bakhtiniana de discurso literário, discurso romanesco, poesia, etc. Na quarta, nomeada A hipótese de Bakhtin, estuda-se o conceito bakhtiniano de poesia.
Cristóvão Tezza começa por limpar toda a ganga "ideológica" que cerca os conceitos de monologismo e dialogismo, mostrando que, em Bakhtin, eles não têm os traços de positividade e de negatividade que lhes foram atribuídos. Mostra ainda que, embora a poesia não tivesse merecido de Bakhtin um estudo mais longo, seu conceito de poesia está no horizonte da definição do discurso romanesco, que um não pode ser pensado sem o outro. Com a paciência do conceito, vai desvelando os diferentes planos teóricos em que Bakhtin trabalha o conceito de dialogismo: o da natureza da linguagem e o de sua realização estética. A poesia é dialógica na medida em que é um fenômeno de linguagem, mas não o é enquanto fato estético. O monologismo da poesia é visto, assim, não como falta, defeito, carência, mas como uma das expressões históricas do discurso literário. Em Bakhtin, "a distinção entre o estilo prosaico e o estilo poético se faz numa relação quantitativa - para Bakhtin, não há nenhuma 'essência' poética ou prosaica, mas diferentes intensidades na relação do discurso - na vida do momento verbal - entre as diferentes vozes participantes. Se de um lado o traço plurilíngüe, isto é, 'a incidência viva de diferentes centros de valor no mesmo momento verbal', é o motor da significação prosaica, no seu limite máximo, de outro, no seu limite mínimo, 'a linguagem poética em seu sentido estrito requer uma uniformidade de todos os discursos, sua redução a um denominador comum'". (p. 241). A palavra poética tem um centro de valor bem definido, que se faz sempre com a máxima autoridade semântica, não olhando para o discurso alheio. A poesia é o "gênero" em que há uma fronteira nítida entre a voz do poeta e a voz dos outros. Todo seu arsenal de formas convencionais (ritmo, rimas, versos, estrofes, etc.) não é senão uma estratégia de isolamento da voz do poeta. Só no monologismo a autoridade poética pode instaurar-se sem dissolver-se na descentralização do discurso prosaico. Dentro do pensamento bakhtiniano a poesia só pode ser entendida como centralizadora e "monológica". E nesse ponto a concepção bakhtiniana de poesia encontra-se com a imagem que os poetas tem do fazer poético.

Nesse caminhar com vistas a uma compreensão segura do conceito de poesia em Bakhtin, Cristóvão Tezza vai pontilhando uma série de temas: a chamada crise de poesia, a prosa poética, a prosificação da poesia, etc. Insistimos muito no fato de que Cristóvão Tezza ilumina o conceito de poesia em Bakhtin, porque essa noção, como dissemos acima, não tem sido bem compreendida. O livro Entre prosa e poesia, no entanto, à medida que vai desvelando todas as sutilezas do pensamento bakhtiniano, vai lançando luz também sobre a concepção que Bakhtin tem do romance.

Cristóvão Tezza, com seu minucioso trabalho de compreensão do conceito de poesia dentro da arquitetura do pensamento bakhtiniano, mostra que não há nenhum julgamento de valor em conceitos como dialogismo e monologismo, centralização e descentralização. Por conseguinte, dizer que a poesia é "monológica" não significa considerá-la inferior, não democrática, etc. Seu trabalho mostra a necessidade de compreender os conceitos bakhtinianos no interior de sua filosofia da linguagem. É assim não só um trabalho sobre os conceitos de prosa e de poesia, mas é também uma lição de método para todos os estudiosos da obra de Bakhtin.

José Luiz Fiorin -professor do Departamento de Lingüística da USP, autor, entre outros, de As astúcias da enunciação, Lições de texto e Para entender o texto, todos pela editora Ática.

 


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